16 de abr. de 2017

Os inevitáveis (e abençoados) pontos finais

Passageiros, é isso o que melhor nos define. Nenhum de nós, vivo ou morto, nasceu nesse planeta de agressivas contradições, para ser resumido a uma definição. Mesmo que à primeira vista isso pareça beirar o exagero, o fato é que a cada dia somos apresentados a uma nova versão de nós mesmos. 

Até mesmo os dias mais vazios e entediantes exercem sobre a nossa maneira de ser algum tipo de força ou sugestão. Em verdade, talvez seja exatamente a falta de assunto, atividade ou alegria que faça brotar dentro da gente um “não sei quê” de rebeldia. 

E, sem rebeldia, não haverá jamais nenhuma revolução. É o desgostar de algo que nos faz ir atrás de outros sabores, texturas e cheiros. E, ainda que a próxima degustação nos traga paladares mais ácidos ou amargos, que venham as experiências desconhecidas; que venham os tombos para nos sangrar os joelhos; que venha a luz forte para nos ofuscar a visão; ou a escuridão para nos fazer o peito palpitar de medo, susto ou prazer. 

Ninguém pode sentir prazer em histórias terminadas por reticências, toda vez. Que haja algumas reticências, tudo bem. Elas são uma pausa, ou licença necessária para o que ainda não foi revelado, ou para aquilo que ainda não está pronto para o fim. 

No entanto, reticências excessivas têm o perigoso efeito colateral de nos fazer acreditar que pode haver algo de romântico ou suave na indecisão. Viver na indecisão dos dias torna-nos seres acostumados com uma vida em suspenso. O ar fica parado; ninguém respira; ninguém pisca; ninguém vive. 

Viver, pressupõe acolher corajosamente algumas pequenas mortes. Morremos um pouco cada vez que fazemos tornar possível algo que parecia ser inatingível. Morremos um pouco a cada orgasmo. Morremos um pouco a cada sonho desfeito. Morremos um pouco a cada partida, nossa ou do outro. Morremos um pouco todas as vezes que desistimos de algo sem ter tentado. 

Tentar; arriscar; desafiar são coisas muito mais fortes e importantes do que acertar ou errar. Erros e acertos podem estar vinculados a árduos processos de emponderamento e luta. Mas, também podem ser presentes do acaso. Há sucessos e fracassos que vêm espontaneamente ao nosso encontro. 

Entretanto não há tentativa, risco ou desafio que possa nos transpassar com sua força transformadora, se não estivermos dispostos e disponíveis a deixá-los nos arrebatar. 

E, uma vez arrebatados pela avassaladora inquietação do desconhecido, da página em branco, do próximo capítulo, aprenderemos a forjar no traço empunhado por nossas mãos (tão provisórias), os definitivos e necessários pontos finais. 

É bem verdade que vivemos assustados pelos términos de tudo. O fim nos deixa sobressaltados e, ao mesmo tempo, nos mantém cativos numa espécie de visgo em nome de uma segurança qualquer que nos proteja e nos salve de enfrentar a perda. 

Porém. Ahhhh sempre haverá, mesmo na mais inofensiva de nossas escolhas, um “porém”. Porque ao escolhermos seguir em frente, em busca do que ainda não compreendemos, deixamos para trás o que nos é familiarmente acomodado ao colo. E porque, ao escolhermos a permanência morna daquilo que já nos é tão íntimo, abrimos mão do salto, do frio na barriga e do que não temos como prever. Então, para que sejamos dignos de uma vida menos medíocre, apertemos a ponta da pena mergulhada em tinta e calquemos, de peito aberto, os inevitáveis e abençoados pontos finais. Afinal, sem eles não haverá próximas histórias para nenhum de nós, porque elas ficarão invisíveis entre os espaços em branco, deixados pelos pontos finais que não fomos capazes de determinar.

Texto de: Ana Macarini

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