14 de out. de 2017

Verdade, verdade, verdade, ficção.

Quase toda história que ambiciona criar um clímax impactante precisa de um grande acontecimento, algo que nunca foi visto antes ou, se já foi visto, algo que nunca foi apresentado de uma forma em particular. Geralmente, esse impacto é racionalizado demais e ultrapassa os limites do que pode ser considerado verossímil. 

Alcançar esse tipo de impacto é difícil porque tal momento, inevitavelmente, exige do leitor um grande esforço para manter-se envolvido no universo da história e não julgar o que está sendo apresentado como implausível. 
A última coisa que desejamos, como escritores, é que nossos leitores pensem: “Ah não, pode parar! Isso nunca poderia acontecer!” 
A solução está na contextualização da história. Em muitos livros e filmes, o corpo da narrativa  começo, meio e um pouco do final  tem como foco apenas preparar o terreno para aquele grande momento de ficção no clímax. Noventa por cento do texto se dedica a criar um mundo onde esse grande momento ficcional poderia acontecer de uma forma acreditável. Como conseguimos esse mesmo efeito na nossa história? A resposta é verdade, verdade, verdade, ficção. 

Quando falo em verdade, me refiro à cenas plausíveis e personagens acreditáveis. Eles não precisam ser literalmente verdadeiros no mundo físico, mas a história precisa conter cenas, pessoas e conceitos que, dentro do universo do livro ou do filme, pareçam verossímeis. 

Um pobre veterano da Primeira Guerra Mundial pode, realmente, se reinventar como Jay Gatsby e, em poucos anos, se tornar um zilionário arrojado, que constrói uma mansão que se torna o epicentro da cena social dos anos vinte em Nova York? Sim, ele pode se a história é contada a partir da primeira página pelo amigo de Gatsby, Nick Carraway, que nos conta verdade, verdade, verdade, em cenas plausíveis sobre sua própria vida e sobre o mundo dos anos 20, até que, quando ele apresenta Gatsby, nós nem sequer percebemos o quanto a história nos exigiu aceitar informações pouco plausíveis. Nós nos entregamos. Nós acreditamos. 

De fato, não temos nenhuma dificuldade para acreditar nos dragões em Game of Thrones porque, no universo de ficção criado pelos escritores, essas criaturas podem, plausivelmente, existir e até mesmo interagir com os humanos. 

Como aspirantes a escritor, somos muitas vezes aconselhados a realizar pesquisas rigorosas, a meticulosamente prestar atenção aos detalhes. E devemos, de fato, fazer isso. Por exemplo, não escreva no seu texto sobre uma árvore genérica, seja específico e mencione que se trata de um pinheiro tarda. A razão pela qual esses detalhes são tão importantes é porque eles, utilizados como elementos em uma seqüência de outros fatos verdadeiros, constituem “verdade, verdade, verdade”, cujo papel é contextualizar o grande momento de ficção no clímax da história. 

Vendedores dizem “Faça o cliente dizer sim para coisas pequenas. Em seguida, ele vai dizer sim quando nós perguntarmos: Você está pronto para comprar?” 
Você, o escritor, também é um vendedor. Você está vendendo a sua história. 
Lembre-se, nós, seus leitores, queremos acreditar em você. Queremos dragões para conversar. Queremos que Rocky não desista de lutar contra Apollo Creed. Seu trabalho, senhor escritor, é nos seduzir, é nos levar para uma viagem a bordo do seu navio mágico. 

Se você está descrevendo um jantar em um restaurante fino, cujo clímax será um personagem usando um revólver 45 para explodir o cérebro do seu rival (ou seja, algo que nunca aconteceu de verdade), nós, seus leitores, precisamos que você contextualize a cena nos dando todos os detalhes sobre a toalha de mesa, o prato de sopa, etc. E precisamos de informações que nos ajudem a entender as convenções que você estabeleceu para o seu universo de ficção, para que essa cena da história seja coerente com o que você nos apresentou anteriormente. 

A maneira como os personagens falam, as roupas que vestem, a dinâmica emocional entre eles, tudo isso precisa passar um senso de coesão e consistência. Dessa forma, no final do jantar, quando o personagem sacar sua pistola automática e cravar seis balas no peito de seu rival, os leitores vão pensar: “Ah, faz sentido.” Porque os personagens se mantiveram fieis às regras básicas que você criou para eles. E porque eles usaram os talheres certos para comer cada prato do jantar. 

Verdade, verdade, verdade, ficção. Funciona. 

Steven Pressfield autorizou a publicação da tradução de Diego Schutt do texto original em inglês. 

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